sexta-feira, 16 de abril de 2010

Madam,

Down the rabbit hole para sempre, agora? Mantenho firme o capítulo dedicado a você no meu livro, o que passamos não foi pouco. Lembro de quando cheguei em Marte assustado com aquela escuridão toda e gente esquisita e foi um alívio muito grande te ver. Naquela época você falava várias coisas que eu não compreendia, que eu nunca fui bom em compreender.

- Quando você estiver mais velho vai saber que deve aproveitar essas oportunidades.

Confesso, entendi um segundo depois, sempre fui bom em entender absolutamente tudo, mas nunca muito confiante nesses entendimentos, então não fiz nada, como de costume, e o dia amanheceu e eu fui embora.

Está certo que tivemos nossos desencontros na Terra, mas prefiro não me lembrar dessa parte. O que interessa é a sincronia que conseguimos realizar no Espaço.

No entanto tudo isso passou, são memórias que guardo com carinho, mas que guardo no passado. Já fazia anos que não ouvia falar de ti e recebo de cara uma notícia como estas.

Madam, continuas insuportável.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Contradição

Outro dia, uma grande sombra me agitou. Dirigia por uma rua movimentada, com minha namorada ao lado, quando, por um acaso qualquer, ela deixou cair um grande copo de refrigerante no meu colo. O susto me fez perder o controle e nada mais vi, somente o feixe de luz dos faróis iluminando uma árvore que se aproximava.

Outro ano, em uma estrada não muito movimentada, meu pai dirigia, com minha mãe ao lado, quando, por um acaso qualquer, deixou uma das rodas roçar no acostamento da rodovia. O desnível causou um grande barulho e, assustada, minha mãe gritou.

(…)

Em questão de instantes, eu consegui desviar o carro e voltar à segurança do ritmo constante da rua. Naquele passado, agora já mais distante, meu pai não conseguiu e batemos em um barranco.

Vidros, um tranco sentido e, quando abro meus olhos, sou o único ainda consciente. Manchas vermelhas cobrem o estofamento e o silêncio devido era interrompido pelo rádio, que insistiu em seguir tocando. Meu sangue gelou, mas em nenhum momento enevoou-se minha mente. Fiz tudo que era necessáro, sem me permitir uma hesitação.

(…)

Anos turbulentos, mas, de certa maneira, bonitos se seguiram a esse acidente. Meu temor, do qual me envergonho, é que, agora, me aguardem anos nem tão turbulentos nem tão bonitos.

Bruno Caxias

Frequentava a casa de Dona Noêma já quando pequeno, que eu era bem amigado de seu sobrinho, Bruno Caxias, que lá morava em função de seu segundo grau. Quando chegava visita, ficávamos espiando do corredor, tentando não fazer barulho.

Porque Dona Noêma tinha um cacoete de oferecer doces que em casa não havia.

- Quer bolinho, minha filha? Fiz hoje de manhã, tá fresquinho, de cenoura!

Não importava a pujança da negativa, Dona Noêma insistia até que ficasse desconfortável para a visita negar, então já ia triunfante à cozinha, contava até três e punha-se a ralhar com uma tal Elizete, que pelo que sei nunca chegou a existir, e fazia questão de falar-lhe o nome completo,

- Elizete Salles, tu comeste todo o bolo? - A visita já sem saber onde enfiar a cara, Dona Noêma voltava à sala - Você não sabe, minha filha, Elizete Salles, a moça daqui, comeu o bolo inteirinho! Mas agora já não posso ficar te devendo um doce, tem um pudim de ontem, com ameixa, uma delícia, você não vai me fazer desfeita!

E repetia-se o ritual até a visita desistir do que viera fazer.

Parei de frequentar a casa porque Bruno Caxias foi para São Paulo fazer universidade. Fui encontrá-lo outro dia no Rio de Janeiro, muito cabeludo e barbudo, porque tinha-lhe morrido o barbeiro, de quem gostava muito.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

A Estrada escura

A estrada escura segue adiante por uma distância indefinida. Custa até que caro a preguiça dele: não é tão fácil estar só numa sexta-feira. Vagando pela calçada irregular da rodovia, ele persegue um sentimento que não pode encontrar.

Sem pensar, ele vai na direção de onde vivia. Os fantasmas não estarão lá, mas mesmo assim ele continua. A noite abençoa buscas condenadas nos gestos de suas mãos de vento. Risos abafados alcançam seus ouvidos e ele vira a cabeça instintivamente, mas as risadas são de outros. Os espíritos que procura permanecem imóveis no limbo.

Ah, barcos malditos da ilusão dos dias, quantas noites morrem em suas manhãs fúnebres! Foda-se a clareza, o negro da madrugada fala mais alto. Agora, ele corre na beira do caminho, marginal como deveria ser, como tinha que ser. Sombras, apenas, o compreendem na escuridão nem tão vazia da sexta-feira.

Nada. Os passos se acalmam e o ritmo de tudo diminui. O tempo volta a passar novamente, descrevendo círculos de fumaça a cada minuto. Os sons da conversa de outros se distanciam. Ele segue até a passarela, enquanto, de pé no ponto de ônibus próximo, dois vultos fantasmagóricos apontam para seu rosto, velho conhecido.